Androginia refere-se a dois conceitos: a mistura de características femininas e masculinas em um único ser, que não quer dizer necessariamente hermafroditismo, já que a Androginia não se liga à genitália. Atualmente, o conceito de “andrógino” refere-se popularmente mais a uma qualidade estética. Costumamos dizer que uma pessoa é andrógina quando existe uma dúvida, a partir de características estéticas como traços e formato do rosto ou corpo, na hora de identificar o seu sexo. Essa dúvida pode não ser tão gritante. A identificação pode ser imediata, mas a presença de elementos do outro sexo gera várias interpretações. É como olhar para um rosto e ele estar em constante movimento; ora você detecta elementos femininos, ora masculinos. Os traços ora harmonizam-se, ora confundem-se. O que parecia tão certo já não o é mais. Surgem então os mistérios do “andrógino”.
Segundo psicanalista Lúcia Ozório, a androginia não está apenas no campo estético: ela nos insere no campo da sexualidade quando associada a nossa multiplicidade. A sociedade, por sua vez, exerce um peso muito grande neste campo. Ser homem ou ser mulher significa desempenhar uma série de papéis sociais, cumprir exigências e se submeter à uma identidade sexual que nos faz felizes. Entretanto, a angústia aparece diante das nossas fantasias mais ocultas. “Vem então a androginia e questiona toda esta sociedade de controle. Face ao determinismo, ela nos apresenta a indeterminação, que adquire uma estranha visibilidade a qual nossos olhos não estão acostumados: a da não identidade sexual. Faz as nossas certezas vacilarem diante da fascinação pela incerteza”, explica.
Historicamente falando, a figura do andrógino é encontrada em diversas culturas. Na Antigüidade Grega, o andrógino significava a fusão de opostos e a conjunção dos sexos. Em todas as épocas e civilizações têm havido cultos à divindades andróginas. A androginia é uma forma universal de exprimir a totalidade e a coincidência dos contrários.
Diferente de hoje, havia na época três gêneros: o macho, a fêmea e o andrógino. O comportamento rebelde de Eros contra o Olimpo é o que origina a separação dos seres. Após longa reflexão, na dúvida sobre que destino os daria, Zeus opta por enfraquecê-los, reduzindo cada ser à metade, já que eram formados pela junção de dois (homem-homem/mulher-mulher/homem-mulher, o ser andrógino). Atitude um tanto sábia, pois ao mesmo tempo que estariam mais fracos, teriam mais a oferecer, já que estariam em maior número. Cada um andaria ereto sobre suas duas pernas. Separados de sua metade, os seres decidem buscá-la. Os que eram homens buscam uma metade de homem, os que eram mulheres buscam uma metade mulher e os andróginos procuram cada um a sua metade oposta.
Mais perto da nossa contemporaneidade, o rock também teve vertentes que flertavam com a androginia. Uma delas, o
glam rock, predominante na década de 70, era caracterizado principalmente pelas performances no palco e pelo visual. Muita maquiagem, roupas carregadas de plumas e paetês conferiam aos músicos um ar andrógino, fazendo sucesso entre homens e mulheres.
Sem dúvida, o maior expoente desse movimento foi
David Bowie. Seu visual andrógino, seus figurinos extravagantes e a incorporação de personagens paralelos, transformaram
David Bowie em um espetáculo teatral à parte. Como explicado claramente no filme “
Velvet Goldmine”, que aborda o estouro do glam rock nos anos 70, o comportamento andrógino tornou-se uma febre, com jovens do mundo todo pintando seus lábios, unhas e raspando suas sobrancelhas. A maquiagem e o glitter eram as ferramentas da transgressão.
Independente de qualquer ponto de vista, o que está em jogo é a constante utilização de elementos que confiram ao ser humano a capacidade de explorar a sua criatividade e suas potencialidades. Quanto mais mistérios e dúvidas encontrarmos pela frente, mais chances de formular novos pensamentos e combinações. Ser andrógino é parecer homem e mulher e planta e animal e bruxo e flor e sátiro e fauno, compondo uma estética singular, sem precisar de modelos prévios para se movimentar, para acontecer”. Assim pensando, o “andrógino”, em qualquer esfera de avaliação, só contribui para o aperfeiçoamento de nossa condição humana.
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